Por Elis Costa

Entrada do Instituto

Entrada do Instituto

Dia 5 de fevereiro eu (Elis) e Marcelo Sena fomos ao Instituto de Cegos Antonio Pessoa de Queiroz, fechar nossa parceria com o local para a realização lá da nossa instalação sonora sobre/de/em audiodança. Fazer lá essa instalação foi uma ideia minha.

Eita, espera, deixa eu fazer umas observações:

1 – Trabalhei algumas vezes no Festival Palco Giratório-Recife. Assisti de perto a implementação da audiodescrição nos espetáculos de teatro e dança nesse festival, algo ainda muito distante da força e credibilidade que essa função tem hoje no Recife. Vi grupos de cegos chegarem alegres aos teatros, e artistas saírem emocionados de seus espetáculos, em decorrência da presença desse público.

2 – Na faculdade de artes cênicas, eu “escolhi” fazer estágio obrigatório num hospital. Não era com cegos, mas com pessoas internadas no setor de traumato-ortopedia. As atividades que eu propus foram todas de dança. Lá comecei a aprender, ou a acreditar no que já intuia: de que há capacidade e incapacidade em todo ser humano. Escolhi então enxergar/ouvir/sentir sempre as capacidades.

Área externa

Área externa

3 – Há alguns anos, não sei precisar ao certo, assisti uma palestra com o prof. Dr. Francisco José de Lima, docente da UFPE. Ele é cego de nascença. Sua palestra estava inclusa num projeto do espetáculo Leve, do Coletivo Lugar Comum. Aliás, Leve foi o primeiro espetáculo de dança que foi audiodescrito em Pernambuco. Na ocasião, o professor Francisco disse algo parecido com isso: “vocês, artistas, reclamam muito da falta de público. Nós, cegos, somos milhões, a maioria inclusive muito desejosos de arte. Talvez vocês estejam buscando o público errado”. Nunca mais esqueci.

4 – Ainda entre as atividades oferecidas por este já citado projeto de Leve, eu pude ir participar de uma oficina no SUVAG, ministrada pelas bailarinas Maria Agrelli e Renata Muniz, para crianças surdas.

5 – Eu fui a primeira professora da disciplina Metodologia do Ensino da Dança 5, oferecida a licenciatura em dança da UFPE. Isso no ano de 2012, quando eu estava na instituição como professora substituta. A disciplina voltava-se para a pessoa com deficiência. Entre as atividades que consegui realizar com a turma, está uma visita ao espetáculo Leve. Todos os alunos assistiram o trabalho de olhos vendados, utilizando o recurso de audiodescrição que estava disponível.

Área externa

Área externa

6 – Ano passado (2014) fui com o Grupo Mão Molenga ao interior de Pernambuco, numa escola estadual bilingue. Nela convivem surdos e ouvintes e ambos os grupos aprendem português e libras. Lá apresentamos uma cena do espetáculo Algodão Doce.

7 – Logo quando entrei na Cia. Etc. sugeri que criássemos algo para o público com deficiência. Algo que não precisasse de tradução, que a obra fosse acessível por si mesma. Isso nunca tinha retornado as nossas conversas. Aí o projeto de Audiodança foi aprovado (ano passado, em 2014) e tudo vem mudando, somando, incluindo.

8 – Ano passado foi também o ano que aprovei meu primeiro projeto no Funcultura. Um programa de podcast chamado “Histórias ao pé do ouvido”. Com ele eu pretendia, entre outras coisas, tornar a história da dança acessível também as pessoas cegas. Esse projeto foi realizado pelo Acervo RecorDança, e eu pude contar com a orientação de Marcelo Sena.

Auditório

Auditório

9 – Em 2013, também pelo RecorDança, eu pude ajudar a realizar, como uma das curadoras e mediadora, uma exposição chamada “Presente Passado Movimento: a dança de 80 pelo olhar do RecorDança”. Ficamos um mês no Museu Murillo La Greca e oferecemos, além de nossa monitoria, um educativo inclusivo. Presenciei quase todos os encontros com as pessoas mais que especiais que foram nos ensinar, enquanto aprendiam um pouco sobre a história da dança. Mas apesar das legendas estarem também em braile, não me recordo de nenhum cego ter ido nos visitar.

10 – Eu tenho um tio surdo. Ele não está entre os meus preferidos, tão pouco entre os mais presentes, mas já passei situações inesquecíveis com ele. Inclusive a de dançar a noite toda num show.

11 – Hoje recebi a notícia que entrei no mestrado de direitos humanos. Entre tudo que me levou a me submeter a esse programa, está o desejo de ajudar a promover a igualdade e a justiça entre todos os seres humanos, inclusive no que diz respeito a arte.

E por aí vai.

Ginásio

Ginásio

Mas, voltando…

A ideia foi minha. Mas, se eu olhar um pouquinho pra trás, vou perceber que não foi assim tão minha. Que na verdade, na verdade mesmo, a gente faz muito pouco quando faz algo só. E quando eu estive lá no instituto, fechei os olhos pra tentar não precisar deles como aqueles que passavam por mim estampando sorrisos. Lá percebi que estava onde queria estar e que ainda quero, como artista e ser humano, fazer e fazer e fazer muito. E que muito a gente só faz junto.

Lá eu fui aprender a, sobretudo, abrir melhor os olhos, os ouvidos e os poros pra dançar. E dar as mãos a quem quiser dançar comigo.

Dias bonitos virão.

E quem viver, ouvirá.

Lojinha de artesanato

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