renataeelisLembranças suscitadas a partir de uma aula de Caio Lima, em 19 de abril de 2013, na pesquisa Corpo e Som:

Quando eu era criança, tinha o hábito de quase todos os dias subir no muro da frente de casa para escutar. Eu vendava os olhos, ia para a quina, me sentava e passava tempos ouvindo a vida passar…

Sempre gostei de brincadeiras extremas, de luta, corrida, com bola, espadas, acrobacias malucas e como tenho a maioria dos primos homens, dividia mais essas experiências atrevidas com eles. Quando todos se juntavam (incluindo as primas também) nas férias, o que era sagrado, éramos sempre um grande grupo que combatia o mal e que ia salvar o mundo no final da história (leia-se: Power Ranger) e eu, por ser a mais velha, sempre ficava como a líder da história, e todo líder que se preza está sempre preparado pra qualquer “imprevisto maléfico” que possa acontecer.

Então, resolvi me treinar. Tinha pra mim que se eu sentasse e simplesmente escutasse o que tudo à minha volta tinha a dizer eu estaria de alguma forma aumentando o meu campo de visão. Com a certeza que ia ter uma audição mais aguçada, me vi passando tardes prestando atenção no vento (Caruaru não era assim tão movimentada) e sem querer em mim também.

Renata Vieira

Tenho um tio bastardo com o qual meu contato é quase nulo. Ele é surdo e, por isso, também mudo. Não de nascença, mas tornou-se na sua infância, o que não é relevante pra esse relato, penso. Em um dos dias da sua primeira visita a nossa casa, fomos a um show. Era noite, o público esperava Rita Lee na praia do Pina. Nós estávamos lá. A festa era gratuita, ou seja: o lugar estava lotado. Faz tempo, muito tempo, eu era uma pré-adolescente, mas me lembro bem. As pessoas faziam muito barulho e eu recordo do semblante do meu tio, que por motivos óbvios não se incomodava com isso. Mas o que me marcou mesmo nesse dia, foi a sua reação quando a banda da artista esperada finalmente começa a tocar. Ele dançou! Marcava o pulso com o pé enquanto sacudia-se no ritmo do rock roll com empolgação. Eu quase pensei que presenciava um milagre. Diante do meu espanto de menina, meu tio sorriu, pegou meu braço e me fez tocar na estrutura de ferro que abrigava o público. Depois na arquibancada, na sua caixa torácica, no corrimão… tudo vibrava. Nesse dia eu descobri que música é movimento também, talvez principalmente. E aprendi a escutar também com meus pés, mãos, olhos e cotovelos.

Elis Costa