Por Renata Vieira*

Eu queria saber melhor falar, fazer uso da palavra sobre as coisas que passam em minha cabeça. Desde mais nova, sempre tive uma pequena e secreta obsessão pelos meus sentidos. Desafiava-me todos os dias a ter uma melhor visão, um melhor olfato, melhor paladar, audição e tato. E, por um bom tempo, me dediquei a isso. A lembrança mais marcante que carrego com relação a esses experimentos é de ficar sentada, por algum tempo, ouvindo. Gostava de ouvir e reproduzir vozes de personagens a que assistia; gostava de ouvir o jeito que as pessoas a minha volta falavam (o que incluía os gestos) e tentar imitá-los; e, principalmente, gostava de ouvir o tempo. Parava durante horas, no muro da minha casa, e escutava o que o mundo tinha para oferecer de som. Queria que todos esses sons entrassem pelo meu ouvido e de alguma forma achassem um jeito de se transformarem em música. É estranho colocar isso por escrito, já que acredito não conseguir realmente traduzir que relação era essa.

Hoje em dia, eu continuo numa brincadeira comigo mesma para ver até onde vai, o que acredito ser, a minha imaginação. Tem uma hora que você descobre que nem tudo é tão possível assim. Entrei para um campo de extrema observadora de tudo. E as brincadeiras e desafios foram tomando mais corpo. Literalmente. Observo o mundo e o jogo em cena. O tempo todo. Tudo ganhou uma proporção diferente.

O contato com a Pesquisa foi um pouco desesperador em alguns momentos pela quantidade de teorias discutidas que ainda não chegam facilmente ao meu campo de compreensão. Então, eu fiz o que eu sei fazer de melhor: escutei. Passamos por Merleau-Ponty, Murray Schaffer, TED Talks, Performers, Gilles Deleuze, “Leolo” e, nos intervalos, por Roma Gaga.

A cidade passou a ter outra roupagem. E eu segui me desafiando a ouvir o máximo de coisas possíveis. Quando chegamos às construções das paisagens sonoras, foi como achar a lente necessária para aquela vista cansada. Tive o meu primeiro contato com um gravador profissional (PCM TASCAM DR-40) e quase fico sem ar de tão contente. De repente, o mundo clareou.

Sinto-me confortavelmente em casa quando o assunto é tecnologia, o que não significa que eu sou uma expert no assunto; existe uma lógica entre esses aparelhos que é fácil de compreender e isso já veio junto comigo no pacote, talvez, o fato de eu ter nascido/crescido no boom da interconectividade deve ter ajudado. Em meio a minha família, atendo também por “tec”, que vem exatamente da palavra tec-nologia. O motivo: fui uma criança assustadoramente tecnológica, segundo relatos das tias, tios, mãe e pai, sendo constantemente pegos de surpresa com a rapidez e facilidade com que eu apreendia as instruções do mundo digital. O que não é muito estranho nas crianças de hoje, que inclusive me assustam.

O contato com o gravador me fez ganhar uma parte nova do ouvido; tive a real sensação de ter conseguido estender o alcance auditivo. O que é um deleite para quem passa tanto tempo dedicando-se a uma coisa. Escutar o mundo “limpo”. É um presente ganhar a possibilidade de levar tudo isso além.

Quando paro para pensar em todo esse encontro com a Cia. e com a dança, que certamente ambos ampliam os meus sentidos também, agradeço. Agradeço por ter essa oportunidade de unir o que fazia de mim, na minha cabeça infantil, especial, com o que me faz e refaz hoje em dia, na minha cabeça jovem.

* Texto escrito especialmente para o projeto de manutenção de pesquisa de grupo Audiodança: A Ventura do Corpo no Som que Dança, incentivado pelo Funcultura e realizado entre janeiro de 2014 e fevereiro de 2015.