Por Marcelo Sena

Não sei o que seria de mim, sem vocês. É a primeira coisa que me vem em mente. Por que escolhi ser artista? A primeira resposta é porque existia arte. E se existe arte é porque existiram vocês artistas que estiveram antes de mim, por aqui, abrindo possibilidades de ver o mundo, o outro e a si mesmo de outra maneira, com outros olhos, outros ouvidos, outros tatos, outros paradigmas, outros cheiros, outros sabores.

John Cage, você é tão meu amigo, e você nem sabe disso. Te descobri com Saulo Uchôa, que descobriu com Raimundo Branco, que não sei com quem descobriu. Mas que descoberta! E que notícia boa quando eu soube que você foi casado com Merce Cunningham. Que curiosidade eu tenho de saber como vocês trabalhavam, como eram as conversas e como lidavam com a frivolidade da civilização tão moderna e maluca dos Estados Unidos.

Manuel Bandeira, obrigado por ensinar a ver beleza no lugar onde a gente mora, achar tão lindo e poético a “preta das bananas” e ser tão irônico e gracioso com os colegas da arte de quem você não gostava. Hoje moro na cidade que você me ensinou a gostar, antes mesmo de saber que era possível conhecê-la. Morar aqui é uma memória constante de tuas poesias.

Mozart, você foi minha adolescência. Fiquei tão orgulhoso de conseguir me emocionar te escutando, ter o prazer de descobrir que uma música era sua, no meio de tantas músicas de orquestra. Entender sua lógica de composição. De uma vida tão dura, mesmo com sucesso. Não gosto de pensar em como você morreu. É muito difícil admitir a despedida de uma pessoas que nos trouxe tanta beleza para o mundo, enterrado quase como um indigente.

Obrigado Zdenek. Seríamos amigos, ou pelo menos eu seria seu fã. Iria para todos os seus espetáculos. E no dia que eu tomasse uma cachaça contigo, eu não ia querer mais parar, tenho certeza. Às vezes acho até que estou em Recife dando continuidade à sua filosofia. Quero um dia escrever um livro como você escreveu. Mas não vou escrever à mão… desculpa!

Galera da Bauhaus, vocês são fantásticos. Vocês me mostram o tempo inteiro a potência de sermos radicais com os floreios na arte. Pena que usaram vocês para desenhar todas as nossas grandes cidades. Vocês também deveriam ser utilizados no mínimo, como todo o minimalismo de vocês. Acho o minimalismo lindo, mas desde que tenhamos o barroco pra contraponto. E vocês do barroco, me ensinaram que os conflitos são tão mais profundos do que as novelas da TV e os filmes de Hollywood. Obrigado pra me mostrar o quanto patético e complexos podemos ser, mesmo quando não queremos.

Gostaria de dizer que só tenho a agradecer mesmo. A grande maioria eu não cito aqui, porque não há espaço agora. Fica pra um outro tempo, onde talvez os artistas de hoje já sejam artistas do passado, como serei um dia também.

Marcelo Sena (Artista de hoje)

[Este texto foi resultado de uma residência artística interna da Cia. Etc. entre os dias 2 e 3 de março de 2013.]