Must... Chuelo...

[Foto: Iara Campos]

Por José W Júnior

Em 2003 recém chegado da França após uma temporada em uma companhia de dança, procurava me reinserir no espaço/mundo da dança do Recife. Já havia passado por algumas companhias de dança e, dessa vez, procurava me firmar como artista independente. Na verdade, uma vontade imensa de compartilhar experiências com outros artistas a partir do que eu havia vivido, experienciado e aprendido após três anos morando fora do Brasil.

A primeira tentativa foi me juntar com alguns outros jovens artistas que eu já conhecia para, juntos, nos aventurarmos na floresta selvagem da dança. Eu, Edilze Bello, Renato Galamba e Henrique Tenório. Desse encontro nasceu (e morreu no mesmo ano) a Cia. Sinopse. Alguns frutos brotaram desse encontro, as coreografias: Só a Dois, Mulher um espaço a ser descoberto e Homem é incompleto.

Após essa experiência no final do ano de 2004, tive a oportunidade de participar da segunda edição do projeto Visões Contemporâneas do Recife da produtora Adriana Gehres. O projeto, para nós artistas, consistia em três etapas. A primeira era uma residência artística com o coreógrafo dinamarquês Peter Dietz. Em seguida seriam escolhidos cinco artistas para realizar performances em dança em cinco lugares específicos da cidade: Rua da Imperatriz, Av. Conde da Boa Vista (em frente a Loja Riachuelo), Estação Central do Metrô do Recife, Praia de Boa Viagem e Mercado de Casa Amarela.  E a terceira etapa seriam as apresentações, que aconteceram entre os dias 21 e 25 de fevereiro de 2005.

A notícia de ter sido selecionado foi recebida com muito fervor, curiosidade, prazer e medo.

Fervor pela vontade de ir mais além.

Curiosidade por ter a oportunidade de participar de uma performance em dança. Na verdade não sabia o que esse termo queria dizer.

Prazer pela chance de poder me inserir novamente no espaço/mundo da dança.

E medo por mergulhar no desconhecido, performance e na rua ainda mais, não estava preparado para isso, para esse enfrentamento.

Bem, apresentei meu projeto para a Av Conde da Boa Vista em frente à Loja Riachuelo.

Fiz essa escolha porque já era familiarizado com esse local. Quando era adolescente e estudava na Escola e Curso Bandeira pegava ônibus em frente à Loja Mesbla, que hoje é a Riachuelo. O vai e vem de estudantes durante o dia me pegou pela memória. Outra memória que tive para trabalhar corporalmente essas informações eram os “movimentos dos surdos” que preenchiam as noites no mesmo local e o estigma ou “preconceito” instaurado naquele espaço que durante a noite remetia a um lugar de pessoas marginalizadas e desconhecidas. Foi a partir daí que nasceu Must…Chuelo…, o espaço entre o Bar MUSTang e a Loja RiaCHUELO.

Uma armação de ferro coberta de plástico transparente com algumas brechas, permitindo a visão turva do performer e por vezes nítida. Uma figura estranha se apresentava de cabeça raspada, sem as sobrancelhas e música que saía do próprio corpo através de caixas de som, uma referência na época às famosas carrocinhas de som que vendiam CD’s pirata. Esses foram os elementos visuais escolhidos para provocar o andantes e passantes.

Gritos!

“- Que porra é essa?”

“- Isso é um câncer”

“- Não tem o que fazer não?”

Empurrões!

Sim, alguns empurrões pelas costas de passantes e andantes que pareciam não aceitar aquela figura estranha na rua.

À luz do dia, vi o mesmo preconceito da noite. Senti na pele!

O medo do qual falei anteriormente se transformou em elemento dramatúrgico. A curiosidade em constatação de uma visão errante. E o prazer crescia a cada dia, o prazer de colocar meu corpo à disposição, quase um prazer sádico de colocar a própria “cabeça na bandeja” todos os dias.

Feliz Aniversário Must…Chuelo…

Obrigado por ter me inserido nesse mundo selvagem da dança.

Vida longa a ti!