24 de janeiro de 2005. Publicado no Diário de Pernambuco

O XI Janeiro de Grandes Espetáculos incluiu em sua programação dois espetáculos do projeto baiano de incentivo à dança contemporânea, Ateliê de Coreógrafos (Ano III): Vermelho, de Saulo Uchôa (PE) e Samba do Crioulo Doido, de Luiz de Abreu (SP). Assistir a essas duas criações representou uma oportunidade interessante: traçar paralelos com produções anteriores dos dois coreógrafos, também já vistas na cidade, e avaliar se a estrutura oferecida pelo Ateliê de Coreógrafos garante um resultado satisfatório.

Mais do que em Silêncio, na composição de Vermelho a plasticidade constitui uma prioridade para Saulo Uchôa, em detrimento da coerência entre argumentos e signos e da pesquisa de movimentos. A água da larga e rasa piscina em que os bailarinos dançam não se estabelece nem como símbolo, nem como fator instigador de outras possibilidades de criação coreográfica. O figurino também pouco se integra à dramaticidade expressionistas das coreografias.

Em Silêncio e Vermelho, a movimentação aponta para diversas influências: das performances às atuais questões sobre o corpo; mais ainda da dança moderna e das criações da Compassos Cia. de Danças, em que Saulo teve formação como bailarino. Mas o espetáculo mais antigo, apresenta experimentações mais genuínas.

Embora homônimo e tratando das mesmas questões (com nuanças), o Samba do Crioulo Doido montado por Luiz de Abreu através do Ateliê de Coreógrafos tem resultado estético incomparavelmente inferior àquele que lhe deu origem: o solo deste criador-intérprete, trazido pelo IX Festival de Dança do Recife em 2004. Há pelo menos dois motivos para isso. Em primeiro lugar, a presença cênica altamente expressiva de Luiz de Abreu não conseguiu ter sua força transferida para os dez bailarinos pelos quais ele se distribuiu (ou se dispersou). Além disso, as sutilezas no tratamento das várias questões de identidade-gênero, nacionalidade, classe-abordadas pelo solo, se perderam na versão em grupo.

O contraste entre o painel com bandeiras do Brasil em série e a figura andrógina de um único negro,com seu samba fragmentado, era bastante eficaz para por em dúvida os clichês de uma suposta identidade nacional em mostra que esta não passa de uma estrutura de poder e um sistema através do qual somos representados. O número de dez bailarinos certamente redimensiona essa discussão. Porém deixa vazios que dão margem para interpretarmos que a opção foi tratar da negritude como algo homogêneo e não diverso, como de fato é.

Roberta Ramos é doutoranda em Teoria da Literatura pela UFPE e pesquisadora do Projeto Acervo RecorDança.