Por Marcelo Sena

[instagram: @ciaetc]

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Depois de alguns experimentos e algumas conceituações do que seria audiodança, na Cia. Etc., ontem eu e Elis fomos fazer umas experimentações a partir de um roteiro traçado por Caio, de uma trajetória feita e gravada com um microfone binaural na Praia do Sossego (Itamaracá/PE). Fica a umas duas horas de Recife, e é um local com pouquíssimas casas e quase nenhum carro passando por perto. Este microfone consegue captar o som, de uma forma que se aproxima bastante do modo da gente escutar, aproveitando a própria orelha como ponto de gravação e aparato acústico. Mesmo com todas as limitações de um registro sonoro, chegamos bem mais perto da tridimensionalidade da escuta.

Chegamos lá uma 22h e gravamos até 3 horas da manhã, escutando e também discutindo sobre o experimento e em que ele poderia desdobrar, enquanto reflexão dos conceitos e possibilidades estéticas de uma audiodança. Conseguimos ainda gravar um trecho de uns 40 minutos dessa nossa conversa, o que acho que pode servir bastante como forte contribuição desta pesquisa.

Tentar encontrar e inventar a dança no som tem se tornado algo cada vez mais ligado à cinestesia, à sensação de estados corporais, muito mais do que poderíamos pensar,  inicialmente, de converter e registrar em áudio os sons produzidos enquanto um corpo dança. Fomos percebendo que fazer o ouvinte ser imerso numa sensação corporal se mostrava mais instigante e apropriado ao modo de fazer dança que temos feito na Etc.

Num dos experimentos, eu mesmo coloquei os microfones nas orelhas e me movimentei com códigos corporais de uma dança mais convencional, tentando produzir sons (pelo atrito com o espaço e pela respiração). O que resultou foi numa orquestração sonora muito próximo dos códigos musicais, se distanciando bastante do que foi feito corporalmente, ou até mesmo da sensação que eu sentia enquanto eu dançava. Por outro lado, fazer trajetórias no espaço (como no roteiro proposto por Caio), provocar o ritmo e o pulso da respiração, dos passos e como o corpo interage/ocupa este espaço pode trazer uma quantidade maior de códigos que comuniquem e atinjam mais fisicamente o ouvinte. É mais fazer o ouvinte dançar junto, do que ele perceber uma dança sendo feita fora dele. É, sensoriamente, querer proporcionar ao ouvinte a possibilidade de dançar junto, a partir da tradução de um sentido (audição/ouvido) em outro (tato/todos os órgãos). É fazer uma escuta de corpo inteiro, e fazer dele um ouvinte-dançante.

Nosso desafio agora é sintetizar, até o final de fevereiro, essa e outras experiências da pesquisa numa instalação sonora para pessoas com deficiência visual. É uma pesquisa que, de fato, parece estar começando a dar as primeiras pistas agora. E é um prazer ir gerando essas hipóteses. Assim como na videodança, percebo um outro modo de “encenar” a dança, e também da possibilidade de atingir pessoas que nunca foram ou iriam ao teatro pra fruir dança. Talvez a dança que colocamos aqui seja bem diferente da convencional, mas ela, com certeza, abre outras possibilidades de perceber o próprio corpo, em estado de arte, de vida, de deslumbramentos e venturas.