chuveiroEsta semana tivemos o primeiro momento de pensar mais especificamente na criação de algumas audiodanças relacionadas ao que estamos discutindo na companhia para o novo espetáculo. No post anterior – Superfície espelhada, Marcelo fez algumas reflexões sobre um dos temas para a nova criação. Quem não leu, dá uma olhada, pois é a partir destas reflexões que surgiram as ideias para essas audiodanças. A partir daí, Marcelo coreografou uma “identidade Renata”, Renata coreografou uma “identidade Elis” e Elis coreografou uma “identidade Marcelo”.

O primeiro momento foi tentar criar uma partitura coreográfica que pudesse dizer algo do outro, e assim surgiram os primeiros esboços para essas audiodança.

O passo seguinte foi discutir o que foi visto/escutado e depois esboçar os primeiros roteiros:

ROTEIROS PARA AUDIODANÇA

-> MARCELO faz RENATA
Gotas
Liga chuveiro
Começa a dançar debaixo do chuveiro
Tentativa de falar algo
Começa a cantarolar
Vai pro chão com os quatro apoios
Começa a bater mãos e pés no chão / respiração vai acelerando
Enfia a cabeça num balde com água e grita “gooool!!!!” / BG com som de Galvão Bueno gritando gol
Quando perder o fôlego tira o rosto da água e cai no chão respirando forte
Continua tentando falar algo
Quando diminuir mais a respiração, fala quase exausto: “eu não sou Renata”

-> RENATA faz ELIS
Silêncio
Som de pés pisando o chão (até ficarem em en dehors)
Respiração enquanto faz plié (4x)
Braços sobem para a segunda posição um de cada vez
Em seguida faz um suplesse devant
Vai para o chão e deita em cima dos braços
Movimentos ‘moles’ no chão (“articulação frouxa”)
Pernas abrem em segunda posição paralela mais aberta do que o normal
Bubum pra cima e antebraços no chão
Caminha com antebraços para frente e recolhe os pés com pequenos pulinhos (a respiração acompanha) até fazer uma “prancha”
Deita novamente no chão de barriga pra baixo
Vira a barriga pra cima e senta sobre as pernas
Levanta o olhar e pressiona de leve dois dedos entre a têmpora direita e a testa
Intensifica a pressão e continua numa crescente até o olhar se perder no espaço “de tanta dor”
Para
Pousa o indicador, o médio e o anelar sobre os olhos

-> ELIS faz MARCELO
(sala fechada, relativamente ampla, com um microfone no meio)
Dá início a um contador de tempo, que marcará o fim da performance com um alarme.
A voz é feminina.
Abre os braços na linha dos ombros e tenta expandir, crescer em tamanho. Enquanto isso fala, de diversas formas (de acordo com a intenção): “é largo, muito largo, largo. Ombros largos, largo, muito largo”. Pode acontecer algumas variações dentro desse conteúdo. Repete algumas vezes.
Anda pela sala com o braço direito sem muita mobilidade, enquanto fala “às vezes esquece um braço, assim, meio imóvel, esquece”. Repete a frase, varia a frase, diz a frase de várias formas, de acordo com a intenção. Depois, ainda andando e com o braço direito parado, sacode a mão esquerda na altura do peito dizendo e repetindo “tem uma presença”. Vai para o chão, se movimenta pelo osso, diz “tem muita força mas não tem muito músculo. É quase como se o movimento passasse direto do osso para a pele”. Repete, varia. Corre para o canto da parede e diz, virada para a parede, “sozinho, sempre sozinho, sozinho, uma coisa solitária, às vezes com um; não, com dois; assim, mas só, sozinho.” Volta a andar pela sala com o braço direito sem muita mobilidade, enquanto fala “às vezes esquece um braço, assim, meio imóvel, esquece”. Repete a frase, varia a frase, diz a frase de várias formas, de acordo com a intenção. Depois, ainda andando e com o braço direito parado, sacode a mão esquerda na altura do peito dizendo e repetindo “tem uma presença”. Para de repente e coloca as mãos nos olhos. Diz “tem um olhar fundo, como se visse pra dentro, como se atravessasse a cabeça pra ver atrás”. Nesse momento indica a parte posterior da cabeça de onde imagina que sairia o olhar. Repete, varia. Salta movimentando amplamente os braços, a respiração se altera, há som de cansaço. Diz “50 braços, muitos, multiplicam-se, são 50, muita energia”. Volta a andar e pergunta “qual a nota mais fluida? A mais alta?”. A voz de Marcelo responde. Anda pela sala soltando a perna pra cima, alta e fluida, enquanto repete a resposta de Marcelo. Um som de piano ilustra a resposta de Marcelo.
Toda essa sequência se repete, varia sua ordem e sua intenção. Outras perguntas da mesma natureza (metáforas que aproximam a linguagem da música e da dança) podem também ser feitas e devem ser respondidas com a voz de Marcelo, e sempre seguidas de sons de pianos para ilustrar.
Até que o despertador toque e acabe a performance.