Por Marcelo Sena e Conrado Falbo

Na semana passada, tivemos um encontro misto (presencial e virtual) para as criações das audiodanças, pelo projeto da Lei Aldir Blanc. A proposta era esboçarmos o que pensamos nessas duas últimas semanas e que poderiam servir de estímulo, ou até mesmo de roteiro, para as audiodanças. Estávamos eu, Filipe e Conrado presencialmente, mas reunidos virtualmente com Andreza. Conversamos bastante sobre alguns conceitos da área musical e sonora como “soundscape/paisagem sonora”, instalações sonoras, sobre os trabalhos de Janet Cardiff e dos experimentos sonoros que havíamos feito na pesquisa Audiodança de 2014, VIRANDO BICHO e VIRANDO MAR, que estão sendo lançados no formato podcast da Rádio Etc. 

Foi um momento de tentar perceber o tamanho desse terreno que vínhamos reivindicando como um campo fértil para as audiodanças, mas também questionando a necessidade de uma categorização muito rigorosa para esse tipo de criação, já que entra numa interseção com tantas áreas artísticas.

Pensando na prática do desenho que Conrado já faz há tantos anos, e de seu processo de interligar os procedimentos de imporvisação na voz, na dança e no desenho, propus um exercício a ele:  descrever um pouco do que ele sente e pensa enquanto desenha. O Jogo Do Bicho é um jogo de loteria com uma história rica e um dos passatempos preferidos do Brasil. Neste jogo, os utilizadores têm a oportunidade de apostar numa variedade de animais, sendo cada animal associado a um grupo único de números. Review do caça-níquel Jogo Do Bicho https://jogodobichooficial.com .A jogabilidade foi pensada para os usuários poderem escolher até cinco animais diferentes em uma única aposta. Veja como o jogo se desenrola: Ele fez um registro em áudio em tempo real enquanto desenhava e me enviou um arquivo de áudio. Transcrevei aqui algumas frases dele que, neste primeiro momento, penso serem interessantes para nossa futuras audiodanças, por trazerem uma relação mais física e lúdica com o ato da improvisação em si:

As palavras são muito insuficientes.

Eu gosto dessa diferença entre o escuro de muita tensão no grafite e esse mais claro de não tanta tensão. E eu tenho vontade de repetir isso em outras partes do desenho. E eu vou fazer isso.

Nesse momento eu já não lembro mais que eu tô com princípio de dor de cabeça. O meu sono passou. Eu tô bem concentrado no que eu tô fazendo.

Nesse momento agora eu tô perdendo a noção do “todo” do desenho. Eu não estou olhando mais pro desenho como um todo.

Eu gosto do efeito que tá acontecendo aqui.

Eu sinto que no início era só um emaranhado de traços.

Eu me levanto do banco pra poder ter acesso a outra parte do desenho.

Agora eu olho pro todo. Eu fico satisfeito.

Paro um pouco pra pensar o que eu vou fazer agora.

De repente elas não são mais linhas. Como se elas fossem umas raízes, um cipó. Eu gosto desse efeito.

Às vezes a linha se subdivide.Me faz pensar em aberturas, uma rachadura.

Vamos esperar.

Continuo levantado do banquinho.

Continuo usando um tônus muito forte, muito alto na barra de grafite. Eu tô apertando ela contra o papel com muita força.

Nesse momento é muito difícil falar, mas eu vou continuar falando porque é a caralha do exercício. Mas nesse momento eu não tenho vontade nenhuma de falar. Me irrita um pouco ter que ficar falando, mas eu vou falar.

Vou me sentar de novo no banquinho pra continuar.

Não estou precisando pensar tanto. Agora é uma imaginação mais concreta que está em jogo aqui.

Agora eu pauso. Olho para os primeiros traços. Olhos pros últimos. Olho que estão bem diferentes.

Não vou tentar controlar muito a partir daqui pra ver o que que acontece.

Eu vou fazer exatamente isso: vou estender duas linhas a partir de uma única folha só porque eu quero. Eu quero quebrar minha própria regra.

Eu volto a fazer uma só linha, a partir de cada folha. Foi um desejo passageiro, aquele desejo de fazer duas linhas. Ele já passou.

Eu gosto do resultado até aqui.

O papel amassa um pouco. Não importa.

Uso muita tensão no bastão do grafite. Gosto de fazer isso: usar muita tensão.

É uma sensação prazeroso. Nesse momento eu só tô pensando no desenho.

Um emaranhado de riscos que uso pra dar essa ideia de preenchimento e não me importa se vai ficar perfeitamente preenchido. Eu gosto de deixar esses buracos, eu acho que isso confere movimento para o desenho, eu acho que isso confere volume.

Mas o motivo mesmo porque eu faço o preenchimento desse jeito descuidado é porque me dá muito prazer. Tem uma razão estética, mas também tem uma razão física.

Agora eu percebo que eu paro de respirar enquanto eu tô fazendo isso e falando ao mesmo tempo também. Não me ajuda. Parar de respirar não é nada legal enquanto eu tô fazendo uma atividade como essa.

Entra um ventinho pela janela, eu percebo que tô muito suado, muito quente. De repente eu comecei a ficar suado. Eu tava bem tranquilo até pouco tempo atrás. Me dei conta de que eu tô com calor. Meu rosto tá todo suado.

Sinto vontade de parar um pouco. Tá quase pronto. Ainda não sei o que vou fazer.

Não sei o porquê, não sei explicar. Que saco! Eu tô sentindo que eu tô explicando o que eu tô fazendo. E eu não sei o que eu tô fazendo. Não sei explicar o que eu tô fazendo na verdade. Ou até sei, mas é difícil.

Trechos dos depoimentos de Conrado Falbo.