Por Pedro Paz . Sábado, dezembro de 2011
Os integrantes do grupo Cia. Etc. Marcelo Sena, José W Júnior, Liana Gesteira e Marta Guimarães tinham acabado de estrear o espetáculo Imagens não explodidas em 2008, quando uma questão passou a inquietá-los: de que forma o corpo representa a sexualidade de um indivíduo? Foram três anos de pesquisa até essa interrogação culminar na estreia da montagem Dark Room, neste ano.
Segundo o argumento criativo da companhia, o quarto escuro é o lugar onde as identidades sexuais se revelam e as pessoas se desfazem de suas máscaras sociais. Em entrevista à Continente Online, o diretor do espetáculo Marcelo Sena comenta a relação entre público e privado na contemporaneidade, levada à cena.
CONTINENTE ONLINE: Quais asprincipais referências para a construção do argumento de Dark Room?
MARCELO SENA: Eu já havia feito um pequeno solo que tocava em alguns pontos do homoerotismo, inspirado, principalmente, no livro O Homem Que Amava Rapazes, do escritor Denilson Lopes. Assim, fui tendo outras leituras, chegando à Teoria Queer, que serviu de base para toda a construção inicial do espetáculo.
CONTINENTE ONLINE: A relação de público e privado, no contemporâneo, está mais homogênea ou nada mudou ao longo do tempo, pelo menos no ocidente, na sua concepção?
MARCELO SENA: Talvez, a invasão de nossas vidas privadas em programas de TVcomo o Big Brother Brasil, nas redes sociais e em tantas ferramentas de publicização da intimidade. Nelas, temos essa sensação de público e privado como algo extremamente unidos na atualidade. Mas se observarmos, com um pouco mais de atenção, podemos perceber que essas ferramentas não dão conta de toda a complexidade do universo privado. Somos formados de múltiplas identidades e, no momento de nossa exposição, mostramos apenas uma parte de nosso todo. É sempre um lado de um figura geométrica formada de muitos lados.
CONTINENTE ONLINE: Ainda permeiam tabus na relação social que se dá dentro deum quarto ou nesse espaço todas as máscaras são desfeitas sem nenhuma concessão?
MARCELO SENA: Essas máscaras que vamos construindo começam a se tornar também o nosso próprio “rosto”, chegando ao ponto de muitos de nós já nem sabermos que estamos de máscaras. Isso dificulta nos desfazermos delas, até mesmo em lugares íntimos ou ocultos de nosso convívio público. O que propomos no espetáculo é justamente levantar esse questionamento a respeito de onde estão as nossas máscaras, onde estão nossas construções de identidades e desejos sexuais. Mas partindo de um conceito de identidade fluida e afastando-se de uma concepção de que somos únicos, desde o nascimento até nosso crescimento, passando por várias identidades, dependendo da fase de nossa vida ou dos lugares e pessoas com quem convivemos.
CONTINENTE ONLINE: De que forma a sonoplastia e iluminação planejada para amontagem agregam valor ao argumento cênico?
MARCELO SENA: A trilha e iluminação da Cia. Etc. sempre entram no processo criativo desde o início. Dessa forma, emDark Room, fomos pensando numa trilha que trouxesse a própria corporalidade dessas identidades sexuais, por meio da sua sonoridade. Isso nos levou a utilizar a própria voz dos intérpretes na gravação de toda a trilha. Seguindo a mesma lógica, a iluminação é executada pelos bailarinos em todo o espetáculo. Eles têm o domínio de toda a execução da luz, numa metáfora de que estamos mostrando naquele espaço o que escolhemos mostrar, ficando oculto tantas outras facetas. Assim, a iluminação também se transforma numa extensão do corpo.
CONTINENTE ONLINE: Há nu durante o Dark Room. Como vem sendo a recepção do público?
MARCELO SENA: A forma que optamos em mostrá-la acaba impressionando aqueles que não têm uma certa intimidade em ver um corpo nu, em sua crueza e simplicidade. Fugimos de uma nudez mostrada por uma penumbra ou por trás de véus e posições que ocultam os pontos tidos como mais eróticos. Mostramos o corpo sem hierarquia, qualquer parte do corpo também é corpo, e é isso que importa ao levarmos a nudez para o espetáculo.
CONTINENTE ONLINE: Vivemos no mundo pós-gênero, segundo o quadrinista Laerte Coutinho. Nele, cada vez mais as identidades sexuais se misturam, ficando mais difícil definir um indivíduo no gênero feminino ou masculino. De que maneira isso está na montagem?
MARCELO SENA: Está na medida em que não estabelecemos uma identidade fixa para os intérpretes-criadores durante o espetáculo. Vamos transitando em diversos ” travestismos” que poderiam denunciar um desejo ou construção de gênero e, principalmente, desvinculando a ideia de sexo e gênero como sinônimos.
CONTINENTE ONLINE: Pode-se chegar à conclusão de que a questão sexual é o principal fio condutor das relações humanas, visto que nascemos para reproduzir, antes de tudo?
MARCELO SENA: Antes de pensar a questão sexual, consideramos a questão da identidade, em toda sua complexidade e pluralidade, como um grande fio condutor para essas relações humanas. Talvez a abordagem freudiana e a negação do corpo como fonte de prazer, tão vigente em nossa sociedade, acaba por dar esse tom.
CONTINENTE ONLINE: Quais os próximos passos da produção além de fazer parte da programação do Janeiro de Grandes Espetáculos 2012?
MARCELO SENA: Estamos com possíveis convites para participar de três festivais nacionais e uma temporada, ainda este ano, em Recife. Estamos também preparando uma exposição fotográfica e uma videodança de Breno César, videoartista e fotógrafo da Etc., a partir dessas mesmas questões.