21 de janeiro de 2011 . Publicado no blog EscHritos de Dança

À primeira vista, me saltou aos olhos a trilha sonora de “Silêncio”, composta por um dos intérpretes do elenco da Cia. Etc., Marcelo Sena. Curiosamente esta foi a primeira criação musical para dança de Sena, mas já mostra o caminho coerente, nitidamente influenciado pelos acasos e a fragmentação propostas pelos músicos norte-americanos John Cage e Philip Glass. Nada linear e aparentemente aleatória, a composição fala alto, sendo responsável pelos principais questionamentos desse silêncio tão barulhento. Será que existe um silêncio absoluto? Será que é possível calar um corpo? Depois de ver o “Silêncio” da Etc. em cena, fica difícil responder que sim.

Com versão original criada em 2004, o espetáculo já aponta a direção da pesquisa coreográfica da companhia, centrada no corpo e suas relações com luz, som, vídeo, ambientes…Neste caso específico, vemos uma construção cênica que desloca refletores para multiplicar as formas corporais, em um jogo de deformação e transformação instigante. Direção e coreografia são assinadas pelo também iluminador Saulo Uchôa, um dos fundadores da Etc. Talvez isso explique a recorrência desta ênfase na relação luz-movimento nos trabalhos da companhia, como, por exemplo, em “Corpo-Massa: Pele e Ossos” e “Imagens não explodidas”. Anterior a essas duas montagens, “Silêncio”, expõe ao extremo esta relação quando escolhe malhas pretas como figurino, e sequências coreográficas que parecem servir exclusivamente para mostrar, evidenciar os frutos do contato intenso e constante entre corpo e iluminação.

“Silêncio” elege o minimalismo para construir suas narrativas fragmentadas. Uma cena em blackout total, guiada apenas pelos comandos de voz e percussão corporal dos bailarinos brinca com nossa imaginação, provando intencionalmente que as aparências enganam mesmo. Quando as luzes se acendem, vemos algo diferente do que o nosso pensamento desenhou, são outros os intérpretes executantes da sequência coreográfica e não os que os nossos indícios anunciaram.

O grito mudo dos bailarinos Marcelo Sena e Marta Guimarães (que, parecem pinturas líquidas, holografias ou animação em 3D); o corpo imóvel de um intérprete convidado (nesta apresentação, Ailce Moreira), sempre em cena; a trilha que vai tentando uma auto-sintonia, como se fosse um rádio fora de estação; constroem um discurso que chama pra perto, mas alerta para os perigos e ilusões desta aproximação exagerada. Nem tudo é o que se vê, e o silêncio pode guardar muitos sons e ruídos… é destas ambigüidades que surge a poesia impressa nos corpos dos intérpretes da Cia. Etc. Aliás, sempre que vejo esta companhia, tenho a impressão, apesar da subjetividade de cada integrante, de estar vendo um corpo só. Coesão parace ser palavra de ordem neste dançar. E isso fica nítido em todos os trabalhos da Etc., nos palcos, vídeos e em todos os suportes e formatos que eles exploram. No elenco de “Silêncio”, José W Júnior, Liana Gesteira, Marcelo Sena e Marta Guimarães, e a convidada da vez, Ailce Moreira, formam um só corpo de muitas falas desconexas, mas de significados profundos.