[Texto de Natalie Revorêdo]
Nasceram flores no canto de um quarto escuro, mas eu te juro, são flores de um longo inverno…
Precisei de um tempo até poder escrever ou conseguir externar qualquer sensação que fosse mais equilibrada a respeito do que eu vivi no quarto escuro. Eu gosto do verde, gosto do preto e do vermelho que me veste, sinto prazer com o cheiro que colocamos para poder ir ao “ring”, chamo assim, pois desde que fui espectadora tive a impressão de que ao entrar no quadrado vermelho, iniciava o jogo da sedução, onde quem envolvesse menos os corpos ali presentes, perdia o jogo.
Um olhar de dentro do Dark Room, olhos a buscar, bocas a comentar, a sussurrar, apoios diferentes na tentativa de observar os corpos nas diagonais.
Curiosidade foi o que pude sentir ao olhar o público que nos rodeava, ele transpirava ansiedade, invadia nossos quartos a todo instante, dos seus olhos saltava o SURPREENDA-ME, na intenção de desvendar realmente o que pode acontecer quando estamos em um Dark Room.
Enquanto observava tudo isso, me mantinha, ou pelo menos tentava me manter, calma, segura e com uma vontade enorme de engolir tudo aquilo que estava por vir, era uma sede que consumia o estado ao qual me encontrava, queria morder os lábios, queria ser um pouco mais mulher, sede de puxar os cabelos, de poder gritar e me sentir homem, era o meu querer, um querer de olhos famintos e espantados, um querer dos sorrisos e das caras feias que ali estavam.
Em vários momentos me agarrava nos corpos das diagonais, o da direita me passava uma segurança e um leve toque de que chegou à hora de se divertir, o da esquerda me deixava calma e com a sensação que nada poderia dar errado, pois trabalhamos para que tudo desse certo e que iria dar certo, o da minha frente, este a todo momento me dizia: faça o seu, não terá certo nem errado. E essa foi a última frase dele antes de entrarmos em cena, o que me confortou bastante.
Estivemos presentes em nós a todo instante do espetáculo, reconheço meus excessos e minhas falhas, algumas vindas de um cansaço corporal inexplicável, algo que transcendia meu corpo, ia alem, era energético.
No Dark Room pude experimentar e sentir os meus diversos eus, a alteridade vinha à tona e eu a aproveitava sem nenhum pudor.
Fui feminina, fui masculina, fui atirada, gostei de homens e amei mulheres, fui todos ali na plateia, fomos todos ouvidos e sons, fomos nós, fomos vós, me sentia neles e eles em mim, flutuei na imagem de uma mulher e me senti acolhida, amada, dominada e dominadora, naquele instante ela foi minha irmã, minha parceira, amiga, cúmplice, minha mulher, o eu mulher.
E a sensação de ser estuprada? Sem se quer ter sido tocada? Não há explicação, como diz Micheloto na sua crítica, é impagável.
Em suma, não somos homens, nem mulheres, estávamos ali mostrando nossas identidades fluidas, nossas sensações, nossos corpos. Apenas agradeço de muito coração pela experiência inexplicável e pela linda jornada de trabalho que me permitiu momentos agradáveis, grata pelos ensinamentos, grata pelo risco da minha pele que me diz todos os dias: Qualquer parte do corpo também é corpo.
Apenas com vocês pude começar a entender o que essa frase realmente quer dizer.
Apenas um pouco do tudo que vivi no Dark Room.
Olá, gostaria de saber: E depois, no outro dia, quando era só VOCÊ e mais ninguém. Não lhe veio um remorso? Uma sensação de vazio? Essa coisa soa um tanto quanto “animalesca”. Gostaria de entender. Não parece preencher.