Espetáculo SILÊNCIO [Foto: Breno César]

Espetáculo SILÊNCIO [Foto: Breno César]

Por Marcelo Sena

Numa das conversas com Francini Barros, na pesquisa audiodança, ela nos provocou a pensar a audiodança não apenas como um produto, mas como modo de perceber. E isso tem mexido bastante com nossa percepção do que vínhamos construindo enquanto audiodança. A partir daí, comentei de espetáculos anteriores da Cia. Etc. que, mesmo sem terem sido criado com o objetivo de  criar audiodanças, poderiam ser percebidos como indícios de audiodanças. Foi daí que Francini me provocou, pedindo pra escrever alguns exemplos de onde estariam essas possíveis audiodanças em criações anteriores. Abaixo seguem três, que considerei as mais pertinentes para o que estamos investigando nesta fase da pesquisa:

Primeira possibilidade de audiodança:

Tudo escuro. O barulho de um sonar ecoa ao longe. Aos pouco sons de pessoas quase asfixiadas tentando puxar o ar. Junto a este som forte e urgente do ar entrando e saindo pela boca de umas dez pessoas, o barulho de água. O som desta boca que tenta engolir o ar parece ser calada subitamente pelo mergulho em água. A intensidade aumenta da respiração profunda e rápida e do mergulhar. O sonar continua ressoando. Uma brecha de luz começa a aparecer. Todos esses corpos estão caídos de bruço num espelho d’água, parcialmente submersos. Apenas os braço ajudam a empurrar o tronco e levantar a cabeça da água, para sugar o ar. Os braços perdem a força e o rosto volta a submergir no espelho d’água. O sonar acelera o sinal, e junto dele, sons de gotas vão aparecendo e se fundindo ao somar, até abafá-lo. Os corpos se contorcem na água, e conseguem tirar braços, pernas e cabeça da água. Tomam força e conseguem ir, aos poucos, erguendo-se do chão, com a ajuda dos braços e pernas. Um olhar vazio, uma respiração ainda forte, mas recuperando-se. Somente sons das gotas. Corpos em pé, com os pés fincados na água. Silêncio.


Segunda possibilidade de audiodança:

Espetáculo acontecendo.  Os refletores não estão na altura convencional, ficam pendurados na vara de luz, tomando como altura máxima o topo da cabeça dos bailarinos. Alguns estão também no chão. Luz branca em todos os refletores. De repente, todos os refletores se pagam. Plateia e artistas compartilham o mesmo escuro. Sons dos bailarinos se movimentando pelo chão. Movimentos rápidos. Sons fortes e precisos desse corpo que se aproveita do atrito com o chão pra impulsionar ainda mais a velocidade da movimentação. Esses sons param bruscamente. Refletores acendem. Dois bailarinos de pé, ofegantes. Dois bailarinos sentados no chão com respiração tranquila. 
De repente, todos os refletores se apagam. Plateia e artistas compartilham o mesmo escuro. Sons dos bailarinos se movimentando pelo chão. Movimentos rápidos. Sons fortes e precisos desse corpo que se aproveita do atrito com o chão pra impulsionar ainda mais a velocidade da movimentação. De repente, esses sons param bruscamente. Refletores acendem. Dois bailarinos de pé, ofegantes. Dois bailarinos sentados no chão com respiração tranquila.
Mais uma vez, todos os refletores se apagam. Plateia e artistas compartilham o mesmo escuro. Sons dos bailarinos se movimentando pelo chão. Movimentos rápidos. Sons fortes e precisos desse corpo que se aproveita do atrito com o chão pra impulsionar ainda mais a velocidade da movimentação. De repente, esses sons param bruscamente. Refletores acendem. Dois bailarinos de pé, ofegantes. Dois bailarinos sentados no chão com respiração tranquila. 
Os refletores não se apagam. E os bailarinos que estavam sentados no chão fazem a movimentação rápida pelo chão, em que cotovelos e joelhos são as principais partes de apoio para a execução da coreografia. Os dois bailarinos de pé, enchem com toda a força o pulmão de ar, e seguram até os bailarinos do chão concluírem a coreografia. Assim que acabam, ficam sentados, tranquilos, controlando a resparação, enquanto os dois bailarinos de pé, soltam o ar que prenderam por, aproximadamente, 1 minuto.

Terce1ra p0ss1b1l1dade de aud10dança:

0 s1stema b1nári0 0u base 2, é um s1stema de numeração p0s1c10nal em que t0das as quant1dades se representam c0m base em do1s númer0s, c0m 0 que se d1spõe das c1fras: zer0 e um (0 e 1).
0s c0mputad0res d1g1ta1s trabalham 1nternamente com do1s níve1s de tensã0, pel0 que 0 seu s1stema de numeraçã0 natural é 0 s1stema b1nár10 (aces0, apagad0). C0m efe1t0, num s1stema s1mples c0m0 este é p0ssível s1mpl1f1car 0 cálcul0, c0m 0 auxíl10 da lóg1ca b00leana. Em c0mputaçã0, chama-se um díg1to b1nár10 (0 0u 1) de b1t, que vem do 1nglês B1nary D1g1t.
Send0 ass1m, qualquer geraçã0 ou repr0duçã0 em um c0mputad0r, sempre será em sua base um m0nte de zer0s e uns, até mesm0 a reproduçã0 da v0z humana al1 gravada. 
Part1mos daqu1: v0z gravada c0m duas palavras pr0nunc1adas em 1nglês: 0 / 1.
Part1tura sonora: 0101101000101000100011010110100111110111011110001111111111111
Ba1lar1n0 p0s1c10nad0 a0 centr0 de um agl0merad0 de pessoas. C0l0ca um m1n1CD n0 t0cador e dá o play. A part1tura é executada numa v0z me10 r0bót1ca.
Sempre que 0 s0m da palavra “ZER0″ f0r em1t1d0: o ba1lar1n0 deve m0vimentar apenas 0 tr0nc0.
Sempre que 0 s0m da palavra “0ne” f0r emitid0: 0 ba1lar1n0 deve m0v1mentar apenas as extrem1dades.
A part1tura agora é executada, p0rém, à med1da que va1 send0 executada, a veloc1dade va1 aumentand0, e 0 bailarino deve segu1r esta vel0c1dade:
0      1      0      1       1       0       1       0     0     0     1     0     1     0    0    0    1    0    0   0   1   1   0   1   0  1  1  0  1  0  0  1  1  1  1  1  0  1  1  1 0 1 1 1 1 0 0 0 1 111111111111

A primeira “possibilidade” é do espetáculo Vermelho (2004), a segunda é de Silêncio (2004) e a terceira é de Entre 0 e 1 (2005).